Publicado em 07/05/2010 no blog http://ogansoeagrelha.wordpress.com/
por Eduardo Neves
A corrupção é constantemente apontada como um dos maiores problemas da sociedade brasileira. A classe política vem perdendo credibilidade a passos largos, e instituições como o congresso e o senado passam por uma crise como nunca presenciamos. Entretanto, os mesmos cidadãos que avaliam negativamente os detentores de cargos públicos costumam recorrer a expedientes que ferem a ética ou mesmo a lei, em ações rotineiras do dia-a-dia. Estamos nos referindo à malandragem, ao jogo de cintura, ao famoso “jeitinho brasileiro”.
Esta categoria de comportamento já está incorporada à nossa identidade cultural. Desde pequenos, somos quase que oficialmente ensinados que sempre há uma forma mais fácil para resolvermos nossos problemas: desde o simples ato de furar uma fila no banco, passando pela anulação de multas de trânsito com a ajuda de um amigo, até o famoso “gato” de energia elétrica, vamos preenchendo nossas vidas com irregularidades que, de tão repetidas, nos parecem absolutamente naturais. O malandro é cantado em músicas de grande sucesso, e tem até papel de destaque nas novelas de maior audiência. É aquele sujeito esperto, simpático, que sempre tem uma história divertida para contar, sobre como conseguiu “se dar bem” em alguma negociação. Em geral, sorrimos com estas pilhérias, caçoando do pobre coitado que foi passado para trás pelo nosso sagaz colega malandro.
Entretanto, curiosamente, também exaltamos a pessoa honesta, íntegra, que trabalha duro para comprar aquilo que deseja e não atrasa nenhuma conta. Falamos com admiração de pessoas assim, e fazemos questão de ensinar tais qualidades aos nossos filhos. A ética universal, os valores morais, a retidão de conduta, também são ensinamentos presentes na vida da imensa maioria dos brasileiros, seja através de suas famílias, seja nas escolas, ou nas congregações religiosas. Essa ambigüidade nos leva a alguns questionamentos. O que fez a sociedade então cultivar essa aceitação da malandragem? O “jeitinho” é realmente nocivo ou é apenas circunstancial, podendo conviver lado a lado com a ética tradicional? O que a Maçonaria nos diz disso tudo?
Os historiadores e filósofos têm seguido algumas correntes de pensamento, na tentativa de explicar a origem e a aceitação do jeitinho brasileiro. Sem nos aprofundarmos, podemos afirmar que a maioria, no entanto, concorda que a malandragem surgiu como uma resposta dos menos favorecidos, frente a um abandono do Estado. As pessoas se cansaram da situação de terem que pagar impostos que, em vez de converterem-se em serviços públicos como saúde, educação e segurança, são desviados para beneficiar grupos políticos ou bancar os luxos de quem ocupa os cargos eletivos. Dessa forma, essas transgressões adquirem aceitação, devido à revolta causada pelo desamparo do governo.
Podemos citar como exemplo dessa tese os camelôs que vendem cópias piratas de discos, pois não conseguem emprego formal. Muitos de nós, certamente, acham melhor uma pessoa estar vendendo CDs piratas do que estar, por exemplo, assaltando nossas residências. Paralelamente, sabemos que um CD oficial tem cerca de 50% de seu preço devido aos impostos. Como temos a convicção de que esses impostos não serão usados em nosso benefício, participamos do crime da pirataria, comprando os artigos falsos, tanto como alternativa de baixo custo como uma retaliação solitária ao mau uso do nosso dinheiro pelo governo. Acontece que a prática da malandragem termina ferindo não só aqueles que nos prejudicam. Ao comprarmos um CD pirata, estamos desrespeitando justamente o esforço de um artista que gostamos. Estamos desvalorizando o seu trabalho, e contribuindo para que a sua atividade seja prejudicada.
Assim, a prática regular do jeitinho brasileiro termina por fazer parte de uma cadeia de eventos muito maior, que terminará sempre em saldo negativo. Enquanto nos damos bem, outras pessoas serão prejudicadas. Se furarmos uma fila, quem estiver imediatamente atrás de nós passará muito mais tempo esperando. É injusto. Se estacionarmos em uma vaga reservada aos deficientes, estes não terão a acessibilidade necessária para sua locomoção, já naturalmente dificultada. É imoral. Se não pagamos nossa energia por conta de um “gato”, estamos roubando. É ilegal.
Em uma Loja Maçônica, os maçons trabalham para erguer templos à virtude e cavar masmorras aos vícios. A malandragem, pois, é um vício, e dos graves. A ânsia de querer sempre levar vantagem em tudo deve ser aniquilada. Temos que cultivar a vontade de vencer na vida, claro, mas por meio do trabalho, das boas ações, das atitudes positivas, do altruísmo, da prática do bem. A ética deve reger nossa existência, em quaisquer circunstâncias. Aliás, é nas adversidades que somos, de fato, testados. É durante uma dificuldade que nosso aprendizado maçônico é posto à prova.
A maçonaria ensina que devemos viver uma vida de virtudes. Não vamos, jamais, nos render às tentações das facilidades, das maneiras fáceis, do jeitinho, pois isso é ceder aos vícios. Ademais, agindo como malandros, que moral teremos para cobrar retidão de nossos governantes? Que exemplo estaremos deixando para nossos filhos, e por consequência, para as gerações futuras? Um maçom deve se negar a esse tipo de conduta. Devemos fazer a nossa parte para que a sociedade acabe com esta glamourização da malandragem. Sabemos que os mais necessitados, desamparados pelo poder público, às vezes são forçados a usar deste expediente para sobreviver. Mas isso não significa que eles estejam agindo da maneira correta. Este comportamento é um erro social, gerado pela má administração que nosso país vem sofrendo historicamente. Porém, nós devemos começar fazendo a nossa parte para que ele seja consertado. Devemos dar o exemplo e cobrar atitudes do estado que resolvam os problemas dos menos favorecidos, para que eles não mais precisem apelar para a malandragem como meio de sobrevivência.
Não podemos aceitar o “jeitinho brasileiro” como padrão de comportamento em nossas vidas. Busquemos a ética, sempre. Vamos votar em candidatos que, por sua vez, também sejam comprometidos com essa maneira de pensar. Vamos varrer os corruptos da política brasileira, e varrer os desvios de conduta do nosso dia-a-dia. Isso pode parecer uma utopia, mas toda realidade começa a partir de um sonho. Agindo assim, teremos a certeza de estarmos vivendo de acordo com os ideais de ética, verdade e justiça que nossa Augusta Maçonaria tanto nos ensina.
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Um comentário:
E a maçonaria que sempre teve participação efetiva na vida do Brasil, como já conhecemos na história, não pode fazer nada para intervir nessa situação vergonhosa que está a sujar nossa imagem lá fora?
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