Colaboração: Ir joão Miranda
Or. de Taubaté/SP
Fabrício Carpinejar
"Feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que
aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia."

É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se
levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e
demora o dobro da respiração para sair de seu lugar. É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só
geme, só procura onde é a porta e onde é a janela - tudo é corredor, tudo é
longe. É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua
própria roupa e não lembrará de seus remédios. E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que
somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa
vida para morrer em paz.
Todo
filho é pai da morte de seu pai. Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja
curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para
devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir
o amor com a amizade da escolta. E assim como mudamos a casa para atender
nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina
dos móveis para criar os nossos pais. Uma das primeiras transformações acontece
no banheiro. Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do
chuveiro. A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um
cotovelo das águas.
Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés
idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento,
inventaremos nossos braços nas paredes. A casa de quem cuida dos pais tem
braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma
de corrimões. Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer
é subir escada mesmo sem degraus. Seremos estranhos em nossa residência.
Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e
preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não
previmos que os pais adoecem e precisariam da gente? Nos arrependeremos dos
sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e
tapete. E
feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que
aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
Meu
amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos. No hospital, a
enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis,
quando Zé gritou de sua cadeira:
- Deixa que eu ajudo.
Reuniu
suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo. Colocou
o rosto de seu pai contra seu peito. Ajeitou
em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil,
tremendo. Ficou
segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo
equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável. Embalou
o pai de um lado para o outro. Aninhou
o pai. Acalmou
o pai. E
apenas dizia, sussurrado:
- Estou aqui, estou aqui, pai!
O
que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.
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