TEXTO LONGO QUE VALE A LEITURA
Colaboração: Ir. Fábio Gabriel Silva
"Encontro-me
entre dois especialistas em Maçonaria, reconhecendo-os como tal pelas suas
histórias e pelos seus estudos. No entanto, buscarei com minha exposição
exercer o papel não de especialista, mas, de filósofo. Para cumprir tal
intento, trabalharei com conceitos e buscarei, incessantemente, mostrar que a
maçonaria produz a névoa com a qual obscurece a missão que se propõe a cumprir. Assim,
procurarei desconstruir os conceitos que temos sobre nossa instituição,
ou seja, para dizer o que é a maçonaria, ater-me-ei a dizer o que ela não é,
ficando a cada um a missão de aceitar ou não as colocações que proponho. Baseio-me
na legislação do GOB, o qual, por motivos óbvios, é acompanhado de perto pela
legislação da GLMESP.
Em
primeiro lugar, declaramo-nos uma instituição essencialmente iniciática,
filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista. Analisemos esses
pontos. A maçonaria pode ser considerada iniciática, pois o ingresso do maçom
se dá por drama iniciático. Mas, e sempre existe um “mas”, como qualquer outra
instituição iniciática onde não existam provas prévias para o ingresso, o valor
que a iniciação terá sobre o iniciado não é realmente avaliado, senão através
de trabalhos e questionamentos feitos por iniciados igualmente não provados.
Fosse a maçonaria uma instituição realmente iniciática, seu número de membros
seria muito menor e sua fragmentação idem.
Qual
o sentido de se declarar uma instituição “iniciática”? O termo “iniciação”
provém dos antigos mistérios da antiguidade marcando mudança de estágio na
experiência e na expressão humana. Desde sempre o objetivo da iniciação era
divino, ou seja, a mudança que era pretendida se manifestava no plano
religioso, o retorno a um estado primevo o qual marcaria uma profunda
reorientação para algum tipo de estado transcendental, diferente do estado
pré-iniciação. O
que constatamos, no entanto, é que a maioria – senão todos nós – saiu da cerimônia de iniciação com a missão de nos modificarmos ao longo de meses para
a justificarmos – a posteriori – geralmente quando estamos pleiteando aumento
de salário para o grau de companheiro. Ao longo do tempo, então, a maçonaria traz certa confusão não com o termo “iniciação”, mas, com seu
conceito. Achamos que somos “iniciados”. Dizemos que somos “iniciados”.
Explicamos ser “iniciados”. No entanto, consideraria um verdadeiro milagre se,
na noite de hoje, houver apenas um verdadeiro “iniciado” neste auditório. Alguém que tenha modificado sua existência de forma intensa e passado a viver
conforme novas perspectivas, sem questionar suas validações, apenas pelo fato
de ter se confrontado com os símbolos e ensinamentos da cerimônia. Chega à
inevitável pergunta-conclusão: “É possível, nos dias de hoje, a iniciação”? Ou
apenas participamos do drama iniciático?
Outra
colocação é a maçonaria ser uma instituição filosófica, o que só pode ter
nuance de realidade se considerar pelo prisma mais pueril do termo “filosofia”,
pois em nenhum momento da trajetória maçônica se trabalha o fundamental do
pensamento filosófico, qual seja o estabelecimento de conceitos. Diz-nos
Aristóteles que “o homem tende, por natureza, ao saber”[1] e, com isso, manifesta que
podemos obter a sabedoria como direito, não sendo a mesma patrimônio de eleitos
ou de poucos. Mas, para consegui-la, é necessário que trabalhemos sem timidez
para sua busca e organização, comprometendo-se o buscador a investigar a
metafísica, o juízo e a crítica sobre o saber. Nenhuma corrente filosófica é
estudada na obra maçônica. Confundem os rituais aos maçons quando estes
aprendem que a filosofia, tão somente, é a “amizade à sabedoria”, não indicando
o caminho, árduo e importante, através do qual o pensamento filosófico pode se
constituir.
Progressista.
Aqui também temos problemas. Como definir o que é progresso? Ou melhor, tem a
maçonaria uma definição para o quê seja progresso? Este progresso é o material?
Humano? Nos costumes? Na ética? Na luta pela correta administração do espaço
público? Empregamos o sentido grego antigo – o progresso é o avanço do homem na
sabedoria? Ou empregamos o sentido de Francis Bacon, que no "Novum Organum", em
1620, definiu o progresso como o aperfeiçoamento crescente dos acontecimentos
históricos – "veritas filia temporis", a verdade é
filha do tempo? Empregaríamos ainda o sentido positivista, de o progresso ser o
desenvolvimento da ordem das coisas, uma diretiva que também rege a vida
inorgânica e os animais? Ou o sentido romântico de Fichte no qual o progresso é
a impossibilidade de algo se manifestar de forma diferente da qual se
manifesta? Há a possibilidade, após os recentes campos de concentração na
Segunda Guerra Mundial, os atentados terroristas separatistas e religiosos ou a
invasão do Iraque, em se enxergar progresso na manifestação humana? É esperança
ou empenho moral?
Vamos
ao próximo problema. Evolucionista. Existem duas definições para “teoria
da evolução”: a primeira, biológica, na transformação das espécies vivas. A
segunda, metafísica, no desenvolvimento da humanidade em sua expressão
universal. O termo “evolução” surgiu por Spencer em 1857, mas ficou difundido a
partir de Darwin em 1859, com sua obra “Origem das Espécies”. No entanto, o
sentido nasceu na Grécia Antiga com o conceito de “substância” por Aristóteles.
E desde então, referia-se à questão da criação divina, ou seja, se as formas
substanciais das coisas existentes poderiam ser diferentes ou se poderiam se extinguir,
uma vez que eram manifestações da divindade. Com Darwin, a evolução passou a
ser encarada como uma inexorável manifestação da seleção natural, sem
casualidades ou arbitrariedades.
Na
segunda definição para evolução, a experiência humana vem se consolidando como
uma passagem do indistinto ao distinto. Ou seja, é o desenvolvimento psíquico
da consciência do mundo sobre suas manifestações. Estamos no século XXI.
Não faz muito mais de 100 anos que na Inglaterra, então potência comercial e
industrial, crianças entre cinco e sete anos de idade eram vendidas para
empresas que limpavam chaminés. Não faz muito mais de 60 anos que o mundo
descobriu as atrocidades dos campos de concentração nazistas. Não faz muito
mais de seis anos que o choque cultural destruiu as torres gêmeas do World
Trade Center. Poderíamos nos perguntar se os pais das crianças vendidas há 100
anos são substancialmente diferentes dos pais que não sentem problema com a
barbárie contemporânea se a mesma não lhe bata à porta. Em substância, não são.
Em consciência sobre humanidade, talvez também não o sejam.
Então,
pergunto: sob qual prisma a maçonaria pode se considerar uma instituição que
proclama a evolução? Como tem ela conduzido o debate entre seus membros para ao
menos definir o que pensamos sobre evolução?
Preconiza
a Ordem Maçônica que seus fins supremos são a LIBERDADE, a IGUALDADE e a
FRATERNIDADE. Destaque-se que existe um conflito entre estes fins coexistirem
simultaneamente. Vamos, contudo, partir de uma confrontação simples: a
igualdade na maçonaria é absolutamente ilusória. Dizemos que todos ao serem
iniciados são “maçons” e iguais, a despeito de suas distinções ditas
“profanas”. No entanto, isso é uma condição para igualar em ponto de partida
para novas distinções, as maçônicas, as quais, em pleno conflito com os
regulamentos, não se manifestam através de serviços prestados à própria ordem,
à pátria ou à humanidade. Não é clara e nítida a diferença entre os
ensinamentos simbólicos e a vivência administrativa na ordem, de forma que o
Aprendiz Maçom é colocado em clara desvantagem em relação ao Mestre Maçom. No
GOB, por exemplo, existem seis faixas distintas de tratamento, para um total de
46 categorias de funções distintas. Igualdade?
A maçonaria, que é verdade, em
nenhum momento se diz democrática ou republicana, apresenta uma aristocracia
autoproclamada meritória que, aos olhos de observadores desinteressados, pode
ser considerada, no mínimo, cafona. Achamos bonito chamar de “sapientíssimo”,
“sereníssimo”, “poderoso”, “soberano”, “eminente”, “venerável”. Achamos
bonito ser chamados assim. Neste
ponto poderíamos confrontar “tradição” com “progressista”.
Nossa Ordem se
baseia nos "Landmarques" e nas antigas obrigações. A tradição diz que não
pode ser modificado o que é tradicional. Cria-se uma balbúrdia com “usos e
costumes”, os quais podem ter 100 ou um ano de “tradição” em uma Loja, pois
após um candidato ser feito Aprendiz Maçom, não possui a liberdade de
questionar uma tradição e, quando chega a Mestre, já está tão mergulhado na
mesma que nem o faz.
Como
conceituamos liberdade? Liberdade pode ser entendida de três maneiras: 1)
autodeterminação ou autocausalidade, ou seja, ausência de condições ou limites
para exercê-la; 2) necessidade metafísica de ordem, ou seja, o sujeito da
liberdade não é o indivíduo, mas sim o Estado, o mundo, a divindade; 3)
possibilidade ou escolha, ou seja, existe limitação e finitude. Na maçonaria,
encontramos as três conceituações, dependendo do Rito ou dos maçons.
Encontramos também a confusão entre liberdade e livre-arbítrio, pois este
depende da maneira – dentre as três – que encaremos liberdade. É impossível
livre-arbítrio quando a liberdade é entendida como autodeterminação, pois se
existe arbítrio, existe escolha a partir de regras que me permitam decidir o
que seria ou não melhor escolher. A liberdade como necessidade metafísica de
ordem é a fundamentação do antiliberalismo moderno, ou seja, existe um poder
acima do indivíduo que circunscreve um espaço onde a liberdade pode ser
existida. A liberdade como possibilidade, esta sim que adota o livre-arbítrio
como manifestação, é a maçônica por excelência. Assim, ser livre não é uma
autodeterminação absoluta e sim quem possui, em determinado grau ou medida,
determinadas possibilidades.
Contudo,
como o maçom se comporta perante a liberdade? O poder de agir ou de não agir,
independente dos resultados da ação ou da não-ação, mudou com o iluminismo, que
assentou: somos livres para fazer quando temos o poder de fazer. Este poder de
fazer assume a fisionomia não de apenas escolher entre possibilidades
presentes, mas, de controlar as possibilidades futuras, ou seja, agir no
presente para garantir a livre escolha amanhã. O que vemos na maçonaria?
Exaltação do passado e gritaria com o presente. O futuro não está na nossa
agenda, a não ser em questões pontuais como segurança, Amazônia. Não discutimos
com seriedade nem mesmo a juventude. Não trabalhamos para nossa liberdade.
Neste
momento, qualquer um de vocês poderia se manifestar: “Lauro, até agora não
entendi o que o mantém na maçonaria.” Posso afirmar que, hoje, para mim, o
valor da Maçonaria não está nos seus rituais apenas. Não está no famoso
“mistério maçônico”. Não está na “iniciação”. Não está nas bandeiras de sua
história. Não está no passado dos construtores de catedrais, passado esse com o
qual não temos mais nenhuma ligação após o final da Idade Média, principalmente
após o fim dos períodos absolutistas renascentistas. Não está igualmente no
império da razão preconizado pelo iluminismo.
Se
ainda enxergo luz na maçonaria, esta está na Fraternidade. Mais
especificamente, na amizade, termo que é muito
deixado de lado nas nossas relações. Costuma-se travestir o sentido de
Fraternidade com uma mistura que vai do tráfico de influências à permissividade
do comportamento abusivo. Isso se nota pelo absurdo de proposições como “maçom
vota em maçom”, ou pelo absurdo ainda maior de termos estruturas jurídicas e
judiciárias especiais para julgarmos uns aos outros.
Nossos rituais tecem loas
aos deveres da fraternidade, mas, não aprofundam o sentimento da amizade. A
amizade é uma virtude da mais necessária à vida, pois sem amizade, riquezas de
qualquer tipo se esvaem de significado. A amizade deve ser distinta dos
sentimentos de amor e benevolência. Você pode amar coisas inanimadas, mas não
lhes pode ser amigo. Você pode ser benevolente de forma oculta, para
desconhecidos. Mas a amizade é uma concórdia que não necessariamente repousa na
harmonia, mas, no respeito e na admiração. A amizade pode ser confundida com o
utilitarismo da relação que traz benefícios ou com o prazer que traz a
companhia. Mas, quando cessa a utilidade e a presença, o que não é amizade
falece. A amizade surge entre maçons quando os mesmos se preocupam com as
mesmas coisas, participam solidariamente na busca dos mesmos objetivos, mesmo
que com considerações divergentes quanto ao método.
A
beleza da amizade repousa então, na busca do mesmo fim com a convivência no que
é importante: o desenvolvimento dos meios para atingir tal fim. Desenvolvendo
nossas atitudes e nossos pensamentos, aquilatando-os com a divergência,
poderemos construir o mais belo dos Templos. Surge então o porquê de existirem
os ritos e seus rituais: em torno de seus símbolos, trocamos nossas visões e
vidas diferentes, exercitamos nossa liberdade e buscamos uma verdadeira
igualdade. Todo o sentido da maçonaria contemporânea, na minha consideração,
existe tão somente pela busca da Fraternidade, da amizade entre os que querem
apenas e tão somente, com buscas metafísicas e religiosas ou não, com plenitude
do conhecimento ou com ignorância, com conservadorismo reacionário ou anarquia
libertadora, escocista ou modernista, racional ou místico, corintiano ou são
paulino – enfim, pela busca da amizade como busca ética, como possibilidade de
engrandecimento, como reversão da desintegração da família não para o
fortalecimento do modelo patriarcal, mas, para que a amizade extrapole o
intimista espaço do lar e constitua uma nova política, reabilitando o espaço
público e recriando a vida em comum como prática da virtude."
Ir. Lauro Fabiano de Souza Carvalho
M.I.
[1] Aristóteles, Metafísica.
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